sexta-feira, 7 de julho de 2017

PATÉTICA


        No dia 13/10/1975 foi feita no Teatro Paiol uma leitura dramática da peça Concerto nº 1 Para Piano e Orquestra de João Ribeiro Chaves Neto, dirigida por Sérgio Mamberti. No programa o autor comenta sobre suas habilidades na arte de escrever e dá uma relação das peças já escritas e duas que estavam em preparação. Exatos doze dias depois, seu cunhado Wladimir Herzog foi covarde e brutalmente assassinado pelos órgãos repressores da famigerada ditadura militar nas dependências do DOI-Codi. O fato fez o dramaturgo mudar seus planos e escrever em regime de urgência uma peça que denunciasse o ocorrido. Assim surgia Patética que ganhou o Prêmio do Serviço Nacional de Teatro em 1977. Proibido o prêmio, a peça só foi editada em 1978 e só teve a liberação para montagem em 1980, quando foi dirigida por Celso Nunes e provocou fortes comoções em suas apresentações no Auditório Augusta.  Na ocasião, Sábato Magaldi escreveu “Ver Patética importa em emocionar-se e refletir maduramente sobre a História contemporânea do país”.


        “São Nuvens. São nuvens que passam”, comenta o personagem Hans, referindo-se aos tempos maus que a família vinha atravessando com a perseguição aos judeus durante a 2ª guerra mundial. As nuvens negras voltaram a assombrar a família em 1975 com a morte de Wlado.
        Passaram-se 42 anos. Estamos em 2017 e as nuvens insistem em não passar neste Brasil corroído pela corrupção e pelo ódio. Em bom momento a militante Companhia Estável de Teatro optou por uma nova montagem de Patética, porque mudam as moscas, mas...
        A encenação de Nei Gomes é límpida e reforça o lado circense da ação. O início da peça com a apresentação dos artistas do circo é alegre e movimentada. Quando Bolota, o palhaço líder do grupo anuncia a representação de uma peça sobre o assassinato de Glauco Horowitz, diga-se Wladimir Herzog, as nuvens começam a surgir no horizonte mostrando que o que está por vir não é nada engraçado. Acompanha-se a mudança de fisionomia do público à medida que a ação avança.
        Os cinco atores desdobram-se na interpretação dos artistas do circo e das personagens que retratam Wlado, seus pais, sua esposa, o cunhado (que é o próprio dramaturgo) e o torturador. Juliana Liegel faz uma fogosa Joana da Criméia, tornando-se dolorosamente mãe quando interpreta Ana. Paula Cortezia se sai muito bem como Iara Rosa, a gostosa da companhia, e adquire a gravidade necessária ao fazer Clara, a esposa. Osvaldo Pinheiro faz um doce pai, enquanto é um gutural e primitivo Valter Rosado do circo. Sérgio Zanck não tem muitas oportunidades como participante da companhia, mas tem seus bons momentos como o cunhado e como o torturador, é ele também que anuncia as cenas, no melhor distanciamento brechtiano. Por último, cabe destacar o belo e emocionado trabalho de Miriele Alvarenga como o palhaço Bolota que interpreta Glauco. O sotaque “portinhol” cai bem em Bolota, mas soa estranho em Glauco.
        O comentário musical dirigido por Reinaldo Sanches comenta a ação de maneira perfeita.
        Além de ser uma peça que ainda emociona e faz refletir sobre o Brasil de hoje, a montagem da Companhia Estável relembra um período negro do país (Lembrar é resistir) e resgata o nome de João Ribeiro Chaves Neto, promessa de grande dramaturgo com suas duas peças encenadas (Concerto em 1976 e Patética em 1980), mas que desapareceu dos palcos depois disso. Em tempo: o nome das peças que estavam em preparação em 1975 eram Sabalha Sociedade Anônima e As Mal Traçadas Linhas.
       
        PATÉTICA está em cartaz em pavilhão na área externa da Oficina Cultural Oswald de Andrade até 22 de julho às quintas e sextas às 20h e aos sábados às 18h. Ingressos gratuitos a serem retirados uma hora antes da apresentação.

Wladimir Herzog (1937-1975)

07/07/2017


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