domingo, 23 de abril de 2017

VEM BUSCAR-ME QUE AINDA SOU TEU


        Na sexta feira, dia 21 de abril de 2017, foi feita no Itaú Cultural leitura dramática de Vem Buscar-Me Que Ainda Sou Teu, texto de Carlos Alberto Soffredini (1939-2001). O evento foi realizado no espaço da Ocupação Laura Cardoso, uma vez que essa peça foi um dos grandes sucessos da atriz que em 1990 interpretou o papel de Mãezinha na montagem de Gabriel Villela.


        Dirigida por Renata Soffredini, filha do autor e tendo no elenco dois netos dele, Ian e Tito, a leitura revestiu-se de grande sucesso comprovando as qualidades e a atualidade do texto de Soffredini. Bem disse o encenador Ednaldo Freire, também presente na noite, que O Mambembe de Artur Azevedo e Vem Buscar-me Que Ainda Sou Teu são as peças que melhor mostram os bastidores do teatro brasileiro. Com deliciosa linguagem popular e inspirado na canção Coração Materno de Vicente Celestino, Soffredini mostra os meandros do circo-teatro tão popular até os anos 1950 e sua decadência que é tão bem mostrada em uma das melhores cenas, aquela em que Cancionina Song comunica à Mãezinha que vai abandonar a trupe. A peça é uma delícia de bons achados dramatúrgicos e foi bastante enriquecida com a tradução cênica de Renata e a música de Wanderley Martins que fez parte da primeira montagem, realizada em 1979 dirigida por Iacov Hillel e aqui interpretada ao violão pelo compositor.


        Um elenco bastante afiado cantou as canções e desfilou com brilho as personagens criadas por Soffredini com destaque para Rafaela Puopolo como Mãezinha e Neusa Romano como Amada Amanda.
        A reação do público foi de pura felicidade como se pode notar nas fotos encartadas nesta matéria. Renata precisa urgentemente colocar de pé a encenação de Vem Buscar-Me Que Ainda Sou Teu: texto, elenco e trilha sonora ela já tem. Só falta patrocínio para levantar a produção, coisa difícil nesses tempos de congelamento estúpido e míope da cultura.


        Já comentei em outras matérias: Soffredini é um dos autores mais importantes da dramaturgia brasileira do século XX, tendo em seu currículo obras primas como a desta matéria, Na Carrêra do Divino, Mafalda (sua primeira peça e uma das minhas preferidas), De Onde Vem o Verão, Mais Quero Asno Que Me Carregue do Que Cavalo Que me Derrube e O Pássaro do Poente. Urge que o teatro brasileiro redescubra sua obra para que as novas gerações possam usufruir desse tesouro.
              Em tempo: Uma bem cuidada coleção de quatro livros contendo cronologia da vida e obra de Soffredini e textos de suas obras principais com análise das mesmas acaba de ser publicada pela Editora Giostri também por iniciativa de Renata Soffredini.

23/04/2017 

quarta-feira, 19 de abril de 2017

APPLAUZO E LUGIBI




        A Rua Arujá é um recanto perdido no Paraíso! Rua calma e tranquila bem próxima ao agito das estações de metrô e da Avenida 23 de maio. No número 118 dessa rua situa-se a sede da APPLAUZO E LUGIBI dos incansáveis Dan Rosseto e Fabio Camara. Local do tipo “faz tudo”, ali funciona o escritório de assessoria de imprensa e produção de espetáculos, sala de ensaios, realização de cursos e tudo o que possa se relacionar com o fazer teatral.

Dan, eu e Fabio

        Dan e Fabio organizaram um ciclo de leituras de peças inéditas de dramaturgos que assim têm a oportunidade de verem o seu texto sair do papel e ir para a boca de atores, único modo da peça teatral se concretizar por completo.
        Na noite de 18/04/2017 foi a vez de Victor Delboni apresentar seu texto Além do Amor, numa leitura encenada que usou o espaço do local como cenário. A leitura dirigida por Dan Rosseto foi belamente lida e interpretada pelo autor, Carolina Lelis, Marcos Machado e Diogo Pasquim.

O autor (Victor Delboni), eu e a atriz Carolina Lelis durante o debate.

        Fiz a mediação do debate que se seguiu à apresentação, onde os presentes apresentaram seus pontos de vista sobre a estrela da noite, que era o texto de Delboni. O autor teve a oportunidade de ouvir elogios, críticas e sugestões dadas pelo público, podendo, ou não, considerá-los para esta ou outra obra que venha a realizar.
        O teatro paulistano precisa sobreviver e esta sobrevivência depende de atitudes como esta de Dan e Fabio que por conta de um ideal e da paixão pelo teatro sacrificam tantas outras coisas que a maioria dos jovens deste país tanto valoriza. Parabéns, meninos! Longa vida à APPLAUZO e LUGIBI.
        Em tempo: a dupla prepara a encenação de Enquanto as Crianças Dormem, anti-musical escrito e dirigido por Dan e produzido e assessorado por Fabio. Estreia no final de maio no Teatro Aliança Francesa.


19/04/2017


quarta-feira, 5 de abril de 2017

O ASSALTO




        Até o momento eu havia assistido a duas encenações deste texto de José Vicente (1945-2007). A primeira de 1969, dirigida por Fauzi Arap, com Paulo César Peréio (Vitor, o bancário) e Francisco Cuoco      (Hugo, o varredor) reforçava a questão social e tratava de modo velado o tema homossexual (no mesmo ano houve montagem carioca também dirigida por Fauzi Arap com Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque nos papeis de Vitor e Hugo, respectivamente). Em 2004 o Teatro Oficina revisita o texto sob a direção de Marcelo Drummond e interpretado por Haroldo Costa Ferrari (Vitor) e Fran Sérgio Araújo (Hugo) agora livre do peso da censura dos anos 1970.

Rodrigo Caetano/Fabio Santarelli

        Tenho excelentes lembranças dessas duas montagens, mas a atual dirigida por Gustavo Trestini me causou surpresa e forte impacto. Os jovens atores Rodrigo Caetano e Fabio Santarelli reforçam o nervosismo da encenação de Trestini atuando com garra pouco usual em nossa cena. Rodrigo compõe Vitor de maneira histérica e levemente efeminada e tem ótimos momentos quando a situação exige reações mais exteriorizadas ; nos textos longos revela-se discursivo e monocórdio, sem, porém, prejudicar seu ótimo desempenho. A personagem de Hugo tende a ser mais passiva face às investidas do neurótico bancário e Santarelli sabe tirar partido disso atuando de maneira contida, com olhares incrédulos e explodindo nos momentos certos.
        O que mais impressiona é a atualidade de texto que tem quase meio século de vida. Vitor é um pequeno burguês que não passa de pobre coitado oprimido pelo chefe do banco, enrustido quanto à sua sexualidade e descrente da vida, mesmo assim ele se posiciona em atitude superior ao varredor que é pobre material e espiritualmente. Tristes seres que esbarramos a cada instante nas ruas da cidade ou em nosso próprio espelho.
        Esta montagem de O Assalto demonstra o quanto é urgente e necessário fazer revisão da obra de Zé Vicente (falecido há exatos dez anos) que contém preciosidades como Os Convalescentes, Hoje É Dia de Rock e Santidade, para citar apenas as primeiras e mais conhecidas de suas peças.
        O ASSALTO está em cartaz no Espaço Cia. da Revista de terça a quinta às 21h, somente até 27/04.



05/04/2017


domingo, 2 de abril de 2017

RACE


        Prepare seu fôlego para os cortantes diálogos de Race, outra peça de David Mamet encenada pela Cia. Teatro Epigenia sob a direção de Gustavo Paso. Apresentada com o título original norte americano que pode significar tanto Raça como Corrida (ambos os títulos se adéquam à trama apresentada) Race faz parte da Trilogia Mamet proposta pela Cia. da qual já vimos a excelente montagem de Oleanna (*) e prepara-se para estrear no Rio de Janeiro Hollywood (Speed-the-Plow) no mês de maio.
        Um homem branco é acusado de estuprar sua amante negra. Deseja contratar uma firma de advocacia para defendê-lo, esta firma é representada por dois advogados (um branco e um negro) e pela assistente deles também negra. Enquanto em Olleana  o espectador dividia-se em dar a razão ora a uma e ora a outra das personagens, aqui seu raciocínio é exposto a desafio maior, pois a cada momento a razão parece estar com cada uma das quatro personagens. Mamet faz esse jogo de maneira brilhante e após 75 minutos de embate a peça termina sem oferecer respostas nem desfecho para o caso, mas com uma série de perguntas que vai tirar o sono do público. O dramaturgo não é maniqueísta e mostra que mais que uma questão de raça, o que rege a sociedade é a manipulação de quem está com o poder (e na peça a cada momento o poder está nas mãos de uma das  personagens). De qualquer maneira fica claro que o autor é absolutamente contra qualquer tipo de preconceito.
        A tradução cênica de Gustavo Paso para o brilhante texto de Mamet segue a linha do não maniqueísmo deixando o espectador à mercê dos argumentos das  personagens. Paso coloca o público disposto em duas plateias divididas pelo espaço cênico fazendo os atores representarem de perfil durante a maior parte do tempo o que provoca efeito perturbador, pois sentimos até o pulsar das veias das personagens. A bela trilha sonora de André Poyart remete a um ícone do final da década de 1970, o tema do filme Shaft de Isaac Hayes. O cenário de Gustavo Paso e os figurinos de Luciana Falcon são bastante discretos deixando o caminho livre para a atuação dos atores.
        E que atores! Pelo próprio desenvolvimento da trama cada ator tem seu momento de destaque. Leandro Vieira representa o simpático advogado negro, aparentemente aquele mais desprovido de preconceito. Clóvis Gonçalves é o acusado e o faz com as nuances necessárias à personagem. Heloisa Jorge é a jovem assistente, talvez a personagem mais ambígua da trama e a representa de modo exemplar sabendo mostrar energia na hora certa. Gustavo Falcão é o advogado branco arrivista e presunçoso e tem poderosa interpretação inscrevendo-se desde já num dos melhores desempenhos masculinos do ano; a personagem não lhe dá trégua por nenhum instante e ele se aproveita disso para mostrar sua energia e talento.
        Nesses tempos onde o ódio e a intolerância parecem dominar as relações entre as pessoas, Race mais que necessária, É OBRIGATÓRIA!
        E quando falamos em preconceito com negros, homossexuais, mulheres e pobres, é bom que não nos esqueçamos dos índios. Enquanto negros foram escravizados, índios foram dizimados. Heranças malditas deste país que o tempo vai demorar a apagar. LUTAR SEMPRE!

        RACE está em cartaz no Viga Espaço Cênico até 31 de maio. ABRIL: Segundas e sábados às 21h e domingos às 19h. MAIO: de segunda a quarta às 21h. NÃO DEIXE DE VER.

            (*) Leia matéria neste blog:
 http://palcopaulistano.blogspot.com.br/2015/06/oleanna.html

02/04/2017