segunda-feira, 14 de novembro de 2016

ESPELHOS


Literatura e teatro. Quando duas artes se encontram

Foto de João Caldas

        É muito comum a adaptação de obras literárias para a linguagem teatral, algumas muito bem sucedidas, outras nem tanto. A transposição integral de um conto ou romance para o palco já é fato menos comum e com maior possibilidade de resultar em algo indigesto e tedioso.
        Espelhos, encenação de Vivien Buckup com Ney Piacentini contraria o escrito acima resultando em um dos mais harmoniosos encontros entre literatura e teatro a que se tem assistido em nossos palcos.
        Ao adentrar o espaço cênico reservado para a montagem já respiramos certo ar machadiano: servindo-se muito bem do ambiente da sala com suas grandes janelas abertas e paredes revestidas de madeira escura e introduzindo apenas três lustres iluminados à luz de velas, Marisa Bentivegna cria o clima propício para a entrada do ator com um livro na mão. Ney inicia o espetáculo lendo as primeiras sentenças do conto O Espelho de Machado de Assis que no subtítulo Esboço de Uma Nova Teoria da Alma Humana revela a trama básica do conto que versa sobre a existência de duas almas: a externa (como nos vêm) e a interna (como nos vemos). A seguir o intérprete larga o livro e interpreta com precisão as aventuras do alferes Jacobina que vai passar temporada na casa da tia Marcolina e que, por circunstâncias diversas, descobre a dualidade de sua alma. O conto é sintético e a encenação de Vivien Buckup é fiel às intenções do texto usando para isso a elegância interpretativa de Ney e a discreta, mas fundamental, iluminação de Marisa Bentivegna.
        A passagem do universo machadiano para aquele de Rosa se dá com o apagar das velas dos lustres e com a desconstrução de todos os objetos de cena, inclusive do solene terno vestido pelo ator (criação de Fabio Namatame). Nesse espaço vazio e despido da formalidade do autor fluminense Ney Piacentini nos revela os meandros do conto homônimo de Rosa, algo mais complexo e nada linear que exige atenção redobrada do espectador. Não se pode afirmar, mas tudo indica que Guimarães Rosa conhecia o conto de Machado de Assis dada a semelhança no conteúdo, apesar de tão diverso na forma.
        Espetáculo de alta classe com grau de erudição sofisticado, Espelhos é exemplo do bom uso da nobre literatura brasileira no teatro, além de oferecer digníssimo trabalho de ator de Ney Piacentini. A ser assistido pelo público em geral e, em especial, pelos estudantes interessados em conhecer algo de nossas artes.
        ESPELHOS está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade às quintas e sextas (20h) e aos sábados (18h) somente até o dia 19/11. Entrada gratuita. CORRA PARA VER.


14/11/2016

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