segunda-feira, 22 de agosto de 2016

SÍNTHIA



        Kiko Marques não é compositor, não se traveste, nem teve pai torturador; mas é autor teatral, seu pai foi militar durante os anos de chumbo e foi esperado como menina por sua mãe que já tinha dois meninos. Kiko tem o dom de ficcionalizar suas memórias transformando-as em verdadeiras obras de arte. Isso aconteceu com Cais ou da Indiferença das Embarcações e volta acontecer agora com Sínthia.
        Sinthia conta a história de Vicente (Kiko Marques), filho de Luís Mário (Henrique Shafer) e de Maria Aparecida (Alejandra Sampaio e Denise Weinberg, ambas em maravilhosas interpretações). É o quarto filho de uma prole de meninos e foi ansiosamente aguardado como menina pela mãe que lhe reservara o nome de Cíntia (a grafia do nome da peça é diferente). Vicente, apesar de não saber disso, tem dúvidas sobre a sua sexualidade, haja vista sua quase obsessão pelo aluno de violino Conrado (Valmir Sant’Anna, uma grata surpresa). Circulam pela vida do protagonista sua esposa Nora, sua filha ilegítima Aninha (ambas interpretadas por Virginia Buckowski), os músicos de um quarteto de cordas e os três irmãos (Marcelo Diaz, Marcelo Marothy e Willians Mezzacapa).

 "Mãe Coragem" e seus quatro filhos

        A peça tem o estilo/assinatura do autor/diretor, indo e vindo no tempo e revelando algum tempo depois situações apresentadas algumas cenas antes. Amparado na criativa cenografia de Chris Aizner que espalha objetos pelo espaço cênico quase vazio, pela preciosa iluminação de Marisa Bentivegna que exterioriza sentimentos dando cor a eles e pelo talento do elenco, Kiko cria mais um belo espetáculo da Velha Companhia. Os atores movimentam cadeiras, talheres e suportes de partitura criando quase um balé que complementa a ação da peça. Dando suporte a tudo isso há a música criada por Tadeu Mallaman para ilustrar a Sinfonia da Compaixão, obra do compositor Vicente e elemento fundamental para o desenvolvimento da trama; Tadeu também é responsável pelo restante da trilha que inclui Geraldo Vandré, Milton Nascimento e outras canções características da época em que se passa a peça (a ação vai do início dos anos 1970 até 2013). Os figurinos são assinados por Fábio Namatame completando a excelência da ficha técnica da montagem.


        Algumas cenas da peça são tocantes e vale destacar o carinhoso diálogo entre Aparecida e sua neta Aninha, a ferrenha discussão entre o filho Luizinho (momento marcante de Marcelo Marothy) e a mãe, os diálogos entre Maria Aparecida e Luís Mário, a entrevista de Maria Aparecida com um agente da Comissão da Verdade e aquela que, ao meu modo de ver, é a mais linda de toda a peça que ocorre quando as duas Maria Aparecida vão para o muro tentar apagar os vestígios da participação do marido nas torturas praticadas durante o regime militar.


        A ideia de colocar dentro de uma mesma trama transexualidade e ditadura era temerária, como atesta o próprio autor no programa da peça, no entanto o desafio foi aceito e o resultado é altamente satisfatório e verossímil, pois Kiko sabe como poucos aliar o privado ao público criando uma história que emociona e faz pensar.
        SÍNTHIA está em cartaz no acolhedor e aconchegante Espaço Os Fofos Encenam aos sábados, domingos e segundas sempre às 20h. Chegue mais cedo para comer cuscuz ou torta de alho poró acompanhado de uma taça de vinho. A peça tem 165 minutos com 15 minutos de intervalo. NÃO DEIXE DE VER.

          Fotos de Lenise Pimheiro



22/08/2016
         
       
       


2 comentários:

  1. É, fui assistir com meu filho de 14 anos que disse ter sido o melhor espetáculo que ele assistiu. Muito bonito mesmo.

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  2. É, fui assistir com meu filho de 14 anos que disse ter sido o melhor espetáculo que ele assistiu. Muito bonito mesmo.

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