segunda-feira, 4 de julho de 2016

FIM DE PARTIDA e O AVESSO DO CLAUSTRO


        Ao sair de um espetáculo que lhe emociona e tira do chão a vontade é compartilhar suas sensações e recomendar o mesmo para o maior número de pessoas. É frustrante quando isso ocorre no último dia de apresentação e isso aconteceu neste fim de semana quando assisti às derradeiras apresentações de Fim de Partida (no sábado) e O Avesso do Claustro (no domingo).

Rubens Caribé e Eric Lenate

        FIM DE PARTIDA talvez seja a mais sombria e pessimista peça da sombria e pessimista obra de Samuel Beckett, sem abrir mão daquele humor sutil e clownesco também característico do dramaturgo irlandês. Eric Lenate soube captar de maneira exemplar esse universo claustrofóbico e sem perspectivas em que vivem Hamm, Clov, Negg e Nell criando um espetáculo denso e sufocante. Todos os elementos de cena (cenografia, iluminação, figurinos e adereços) são o mínimo necessário para refletir aquele mundo imaginado por Beckett. Interpretações poderosas de Rubens Caribé (Clov, criado de Hamm) e de Eric Lenate com uma prótese nos olhos simulando a cegueira de Hamm. A aparição de Miriam Rinaldi (Nell, a mãe de Hamm) é mágica e suas patéticas expressões remetem àquelas do hilário e, ao mesmo tempo triste, Harpo Marx. Ao sair incomodado daquela partida angustiante sem vencedores e sem fim (Clov fala o tempo inteiro que vai deixar Hamm, mas no último momento volta a colocar os guizos que o aprisionam ao seu amo) temos um gosto amargo na boca que nos faz refletir sobre o absurdo mundo em que vivemos.

Karen Menatti/Dinho Lima Flor/Rodrigo Mercadante/Lilian de Lima

        O AVESSO DO CLAUSTRO é uma celebração em torno de Dom Helder Câmara (1909-1999) realizada pela Cia. do Tijolo. Dom Helder foi grande defensor dos direitos humanos e denunciou com muita veemência a tortura que se praticava no Brasil durante os anos de chumbo da ditadura militar. O espetáculo dirigido por Dinho Lima Flor e Rodrigo Mercadante que se define como “missa profana, espiritual e profana” é muito bonito cenicamente e vem embalado pela Missa Luba (missa africana) e por belas canções criadas por Caíque Botkay e Jonathan Silva. Sopa e vinho, símbolos de congraçamento, são compartilhados com o público. Fica clara na montagem a posição do grupo contra os dogmas de qualquer religião. Cinco músicos fazem parte do espetáculo e quatro atores dão conta das interpretações (os diretores e as excelentes Lilian de Lima e Karen Menatti); Flávio Barollo circula incansavelmente pelo espaço exibindo imagens nos lugares mais surpreendentes. A apoteótica cena final traz um boneco gigante de Dom Helder, muito bem acompanhado por Paulo Freire, Garcia Lorca e Patativa do Assaré, personalidades que fizeram parte de montagens anteriores da Cia. do Tijolo. Espetáculo solar, apesar do tema tratado.
        E assim o fim de semana assistiu ao desencanto do universo sombrio beckettiano temperado com a esperança solar de Dom Helder Câmara. VIVA O TEATRO!

04/07/2016


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