domingo, 28 de fevereiro de 2016

EU TENHO TUDO


        Percorrendo os guias de teatro de São Paulo nota-se que mais de 10% dos cerca de 150 espetáculos em cartaz na cidade é constituído de monólogos, isto sem levar em conta as comédias stand up. Sinal dos tempos de crise ou mera coincidência? Fica a pergunta. Eu me recordo que em 1969, época de crise e de censura acirrada ao teatro brotaram as peças com duas personagens e com cenários reduzidos e desse fato surgiram nomes como José Vicente, Antonio Bivar, Leilah Assumpção e Consuelo de Castro, o que demonstra que  em dias sombrios sempre pode haver uma luz no fundo do túnel.
        Voltando aos dias de hoje, entre os monólogos em cartaz há que se distinguir  os espetáculos oportunistas  daqueles oportunos e com desempenhos excepcionais de seus solitários atores. Entre estes últimos destaca-se este surpreendente Eu Tenho Tudo em cartaz na pequena e aconchegante sala do Viga Espaço Cênico.
        A peça de Thierry Illouz, dramaturgo argelino residente em Paris, foi escrita no final do século passado e trata de um homem acuado, mas crente que é dono do mundo (“Eu não tenho o poder, eu sou o poder. Eu tenho tudo") que vomita sua revolta e seu ódio sobre aquele que supostamente o acuou, no caso, eu, o público. Nesse aspecto a peça tem alguma semelhança com Insulto ao Público famosa peça de Peter Handke.
        Esse homem, que se diz tão poderoso em função das 40.000 moedas que possui, vai aos poucos desmoronando e mostrando sua fragilidade diante do mundo que o agride e o massacra, mas ao final sua revolta parece destruir o inimigo.  Pedro Vieira encarna esse homem com vigor pouco visto em nossos palcos. Dono de voz potente e com pleno domínio da mesma e do seu corpo, destila a raiva com tanta verdade que o público diante dessa “ofensa” é obrigado a reagir (mesmo que internamente) e refletir sobre tudo o que é dito. Em certo momento a personagem dirige-se diretamente a um dos espectadores que está na penumbra e diz “Não seja covarde. Mostra a tua cara!”. Fico pensando o que aconteceria se esse espectador reagisse a essa provocação!  A interpretação de Pedro Vieira já pode ser considerada como forte candidata às melhores do ano.

Foto de Cacá Bernardes

        A diretora Cácia Goulart realiza trabalho discreto e eficiente focando toda a atenção no trabalho do ator. Auxiliada apenas pelo belo desenho de luz de Lúcia Chedieck a encenadora nos revela por meio da visceral interpretação de Pedro Vieira toda a podridão das relações no mundo contemporâneo.
        EU TENHO TUDO é espetáculo obrigatório para quem procura no teatro elementos para refletir sobre a realidade em que vivemos e não mero entretenimento. Se você não é um alienado precisa ir até o Viga Espaço Cênico até 10 de abril, às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 19h. NÃO VAI SE ARREPENDER!


28/02/2016

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