quarta-feira, 13 de agosto de 2014

ERA UMA VEZ UM CAIS...


 
          
ERA UMA VEZ UM CAIS...

        Esta seria uma forma bonita de iniciar esta matéria, mas este CAIS não ERA, ele É e sempre SERÁ. Eu e você passaremos, mas CAIS permanecerá porque já nasceu clássico. Baseado nas vivências de vários verões passados na sua juventude em Ilha Grande e também em relatos obtidos dos moradores do local, Kiko Marques transformou vida em arte seguindo intuitivamente com sua alma poética e o seu talento o lema de Ferreira Gullar, segundo o qual “A arte existe porque a vida não basta”. Kiko escreveu a primeira grande obra prima do teatro brasileiro do século 21. A segunda metade do século 20 nos deu três grandes autores que revolucionaram a dramaturgia brasileira: Nelson Rodrigues, Plínio Marcos e Jorge Andrade. Kiko Marques, pela sua poética, pela nostalgia presente, pelo uso da memória como meio narrativo e principalmente pela compaixão por seus personagens está mais próximo à dramaturgia de Jorge Andrade, apesar do seu grande salto na forma narrativa em consonância com a dinâmica dos dias atuais. A fragmentação da trama é muito bem vinda porque o dramaturgo soube contornar os perigos de transformar esse tipo de narrativa num baú de ossos onde nenhum espectador consegue decifrar o que é de quem. Usando o barco Sargento Evilázio como narrador e datando as cenas, assim como, fornecendo alguns dados para situar o espectador, Kiko permite a fruição da história que se desloca não cronologicamente por cerca de 50 anos de três gerações de habitantes da ilha.
 
 
       Não bastasse o talento de dramaturgo, Kiko revelou-se o melhor tradutor cênico de seu texto realizando um espetáculo belo e pungente, avis rara no cenário teatral brasileiro. Muniu-se de um elenco excepcional e homogêneo, assim como do músico Umanto que realizou um trabalho que é um exemplo do que deve ser uma trilha sonora (inexplicavelmente esse verdadeiro tesouro não foi contemplado com nenhum prêmio no ano de 2013), do cenógrafo Chris Aizner que projetou o belo cais onde se passa toda a ação da peça e dos bonequinhos criados pelo Grupo Sobrevento que são parte integrante e importante da história contada.
 
 
        No dia 11 de agosto de 2014 CAIS saiu mais uma vez de cena (a peça estreou modestamente no Instituto Capobianco em outubro de 2012 e sem nenhuma ajuda da mídia foi se impondo pelo boca a boca e tornou-se um verdadeiro fenômeno no ano de 2013 lotando aquele teatro durante as várias temporadas que lá cumpriu; circulou pelo festival de Curitiba e pelo interior de São Paulo e realizou esta temporada na Oficina Cultural Oswald de Andrade sempre com casas cheias). Assistindo nove vezes ao espetáculo fui testemunha de momentos chaves de seu percurso: Virginia Buckowski grávida de oito meses fazendo a Magnólia, Tatiana De Marca a substituindo, retorno da Virginia trazendo a pequena Anita para sua “estreia” teatral, saídas e entradas em cartaz, a bela apresentação para público maior em Curitiba, o verdadeiro convívio com todo o pessoal do elenco e de suporte (as queridas Rosana e Paulinha), o eterno entusiasmo da Fernanda Capobianco e agora a despedida nesse 11 de agosto que espero tenha sido apenas mais uma saída de cena para um breve retorno. É claro que esta encenação não vai poder ficar eternamente em cartaz e um dia vai ter um ponto final. Kiko Marques escreverá, dirigirá e atuará em outros textos; os atores, os músicos e o pessoal de suporte seguirão seus caminhos, mas o barco Sargento Evilázio, a doce poita Rosiméri, Magnólia, Bonifácio, Nilmar, Waldeci, Berenice, Walcimar, Juciara, Walciano, Cachorrinho, Osório, Andreia Polaca e todos os outros personagens viverão para sempre na memória e no coração de quem teve o privilégio de com eles conviver.
 
 
        No final desse último espetáculo Alejandra Sampaio em mais dos seus gestos generosos agradeceu nominalmente a mim, ao Carlos Colabone e à Ana Elisa Mattos que segundo ela fomos tijolinhos que colaboraram para construir a casa. A peça reuniu em torno de si um verdadeiro séquito de encantados que a reviram muitas e muitas vezes. A pergunta entre esses iniciados não era “Você viu CAIS?”, mas “Quantas vezes você viu CAIS?”. Fiquei feliz e orgulhoso com a citação, mas é minha alma que agradece por ter podido morar nessa casa por todo esse tempo e por ter feito de seus habitantes amigos verdadeiros. A arte nos aproximou e a vida nos uniu. VIVA O TEATRO!

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