sexta-feira, 23 de agosto de 2013

JACINTA E O PRAZER DE SER ESPECTADOR



     Vida de espectador tem dessas coisas: eu estava no Rio de Janeiro em maio e aproveitei para assistir ao maior número possível de espetáculos. As opções para o meu gosto não eram muitas, haja vista o grande número de comédias descompromissadas em cartaz. Aproveitei para assistir ao musical Tim Maia – Vale Tudo, que não tinha visto em São Paulo e reservei para a última noite o espetáculo Jacinta no Teatro Poeira. Na véspera, por falta de escolha, fui assistir a um desses espetáculos comerciais e uma senhora sentada ao meu lado comentou que Jacinta era muito ruim, escatológica e que eu não perdesse o meu tempo para ir até Botafogo testemunhar a péssima escolha que Andrea Beltrão havia feito ao aceitar protagonizar peça tão chula! Fiquei assustado, pois se tratava de um trabalho envolvendo nomes que respeito e admiro como Aderbal Freire-Filho, Newton Moreno e a própria Andrea Beltrão, porém, me lembrei de que outra peça envolvendo os mesmos e Marieta Severo (As Centenárias) havia me desapontado. Como não sou cobra mandada e não sigo conselhos nem de críticos, segui no domingo à noite para o Teatro Poeira, mas confesso que guardava certo temor.
     Mas vamos ao que interessa, ou seja, o espetáculo a que quase declinei de ir e que tornou-se um  dos melhores a que assisti neste ano: JACINTA.

     Entrando no aconchegante teatro já gostei muito do espaço cênico e do cenário de Fernando Mello da Costa, com os camarins dos atores à vista do público e o local da banda no centro, ao alto. Quando os músicos entraram em cena seguidos dos cinco atores e de Andrea Beltrão já senti que a coisa ia ser boa. Para interpretar Jacinta, a atriz usa uma peruca longa e morena e fala com sotaque lusitano durante todo o espetáculo.
     A história é hilária e comovente: Jacinta, considerada a pior atriz do mundo, faz uma apresentação para a rainha de Portugal com um texto de Gil Vicente. O espetáculo é tão ruim que a rainha morre. Gil perde uma mão e ela é deportada para o Brasil colônia (afinal, era para cá que eram enviados os desterrados, os ladrões, os vagabundos). Nestas terras que têm palmeiras, sabiás, mulatas ainda não Jacinta passa por tudo: é deflorada, vai trabalhar com um grupo de mortos, quase é devorada por índios no Amazonas e faz muito teatro, sempre com o maior fracasso, mas nunca desistindo.                                                                                                                          
     A canção A Partida diz o seguinte: Há lugares onde Jacinta representou, em que passados 400 anos, nunca mais se viu teatro. Palmas para ela que ela merece./ Mas se com sucesso isso parece...Uma verdade precisa ser dita. Nunca ninguém aplaudia. Estreava, e acabou-se o que era doce. Os educados: Adeus, distinta. Os grosseiros: Adeus, faminta. E todos: Adeus, Jacinta. E essa é a saga dessa obstinada mulher que ama o teatro acima de todas as coisas e sonha com o aplauso que quando chega ela não consegue ouvir.
     Boa parte do espetáculo é cantada na forma do que o grupo chamou de comédia rock. As músicas são de Branco Mello e Emerson Villani e se por um lado comentam brechtianamente a ação, por outro se tornam de difícil compreensão para o público, o que é lastimável, pois grande parte do conteúdo do espetáculo está nas letras das canções.  (Este fato tornou-se mais grave com a mudança de um teatro de 80 lugares no Rio para o Sesc  Vila Mariana que tem mais de 600 poltronas ).  A música é muito bem executada por um quarteto e interpretada com garra e emoção por Andrea e os cinco excelentes atores que com ela contracenam. Vale destacar a comovente velha palhaça de José Mauro Brant e a histrionice do sempre ótimo Augusto Madeira.  Há necessidade de um enorme talento para representar a pior atriz do mundo e Andrea Beltrão o tem de sobra, criando uma personagem que vai ficar para a história do teatro brasileiro.
     No ótimo programa da peça há um texto de Newton Moreno que finaliza com a frase: Jacinta é nossa declaração de amor ao teatro e eu complemento escrevendo que quem ama, faz e curte teatro ganha um manjar dos deuses assistindo a Jacinta.   

     O CD com a trilha sonora do espetáculo interpretado pelo elenco está a venda no teatro pela "pechincha" (segundo Jacinta) de R$15,00. Vale a pena levar para casa! 
     Jacinta se junta a Cais ou Da Indiferença das Embarcações na lista dos melhores espetáculos surgidos nos palcos paulistanos nos últimos tempos. Longa vida ao teatro com espetáculos dessa qualidade. O público agradece. 
                                                                                                                                                                                                                            


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