terça-feira, 12 de março de 2013

MEMÓRIAS DE UM ESPECTADOR - O QUINTAL E O TEATRO ZEZINHO


         Passei boa parte da infância e da pré-adolescência no quintal da casa na Rua Joaquim Ferreira. Nasci nessa casa. A casa era pequena e desconfortável, com todos os cômodos abertos e sem nenhuma privacidade, o banheiro era fora e durante muito tempo não tinha nem chuveiro elétrico, sendo que o banho, se quente, tinha que ser de bacia.  

         Mas o quintal, ah o quintal! Era muito comprido, terminando num alto muro de tijolo à vista que fazia divisa com o terreno do Curtume Franco Brasileiro.

         Era ali que minha nonninha Agnesa tinha suas plantações: muitos mamoeiros, umas flores miudinhas chamadas cravina, uma pequena horta e o seu xodó, uma pequena árvore de romã com suas folhas muito verdes e lustras e aquele fruto mais belo que saboroso. Certa vez, esta árvore causou uma grande tristeza à minha nonna, quando da noite para o dia, um exército de saúvas carregou folhas e frutos, deixando apenas a carcaça do pequeno arbusto. Tenho na lembrança que na época eu associava esta árvore ao maná que aparecia no filme Os Dez Mandamentos.

         Mas o quintal tinha muito mais: o quarador de roupas bem no centro, um rolo de arame farpado eternamente pendurado no muro, o buraco feito por mim no muro do Curtume para bisbilhotar o que acontecia do outro lado, os gatos que constantemente faziam suas andanças pelos muros mais baixos que dividiam a nossa casa com a dos vizinhos: Dona Adelina e Seu Maneco de um lado e Dona Maria e Seu Armando Lavrador do outro. 

    
         Mas para mim, o maior tesouro estava no pequeno barracão que ficava ao fundo do lado direito. Ali eu guardava meus brinquedos, os recortes de jornal com propagandas de filmes. Ali também eu “instalei” o meu cinema. Fazia cartazes com os filmes em exibição e obrigava os meus primos menores Denize, Roberto e Osmar a “me” assistirem apresentando sozinho as cenas que imaginava. Tempos depois “inaugurei” ali o Teatro Zezinho. Eu sonhava em montar peças no fundo do meu quintal. Tentava convencer meus amigos para fazer teatro comigo, mas eles estavam mais interessados em andar de bicicleta, jogar bolinha de gude e correr atrás de uma bola. Sendo assim, só me restava criar uma montagem imaginária com aqueles amigos. Eu pegava a lista das personagens da peça e distribuía os papéis para eles, reservando para mim o papel principal, a direção, os cenários e o nome do teatro. Eu era uma espécie de Charles Chaplin e fazia tudo, sendo até mesmo o público: certa vez caminhava lentamente pelo longo corredor da casa, que desembocava no quintal. Andava, parava alguns momentos e voltava a andar. Minha mãe achou aquilo estranho e perguntou o que eu estava fazendo. Respondi de imediato que estava na fila do teatro. Continuei na fila até chegar à bilheteria (um buraco, devido à retirada de um tijolo da parede) e aí eu me desdobrava: pedia o ingresso, ia para o lado, entregava o ingresso e nesse ir e vir entrava no meu teatro, onde representava para mim mesmo.

4 comentários:

  1. Joseph, querido, que texto gostoso e emocionante!
    Queria ler mais histórias sobre o Teatro Zezinho. Que tal manter uma sessão periódica aqui no blog (já que você está enrolando pra escrever o livro)?
    Te amo!
    Mariana

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    1. Obrigado querida! Foi uma experiência muito gostosa escrever esse texto. A última parte eu adaptei de um trecho da dissertação. A ideia de manter uma sessão periódica sobre o assunto me agrada, pois poderia ser um ensaio para o livro, mas como criar esse sub-blog, você sabe?

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  2. Zé, que delícia ver as imagens do pequeno garoto brincando de espectador. "Mactub", você nasceu predestinado meu amigo. Lindo texto, lindas lembranças.

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    1. Nadya querida, obrigado pelas belas palavras. Predestinado? Não creio, mas fico feliz em escrever.

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